O primeiro grupo

Amanda, Angélica, Deyvid, Fagner, Felipe, Renato foram os jovens do primeiro grupo formado pela oficina e que deu nome ao projeto. Os seis jovens participaram das atividades de 2004 à 2008. Os textos abaixo foram publicados no livro Mão na Lata e Berro D’agua em 2006 pela editora Nova Fronteira.

 

Amanda Paiva Figueiredo

Eu nasci no dia 2 de abril de 1992, com um parto normal, no Hospital Geral de Bonsucesso. Minha mãe e meu pai me cria­ram numa vida muito simples. Meu pai morava com a tia dele, porque a casa ainda não estava pronta. Ele deixava a minha mãe cuidando de mim, enquanto ele ia terminar a obra da casa.

Quando eu tinha três anos de idade, meu pai fez um bolinho e chamou uns amigos para comemorar.

Quando eu tinha doze anos de idade, entrei na fotografia.

O curso de fotografia foi fazendo sucesso. Indo para exposi­ções. E o curso continua fazendo mais sucesso ainda. E formou um grupo de seis pessoas.

O que me deixaria muito triste era se meu pai saísse de casa e deixasse minha mãe e meus irmãos sozinhos.

Se eu não estivesse no curso de fotografia, minha vida seria outra. Porque não teria outra coisa para fazer. Eu só iria para a escola e voltaria para a casa. Mas seria muito chato vir para casa e não ter nada para fazer o tempo todo.

 

Angélica Paulo

Eu me chamo Angélica Paulo e eu tive uma infância ótima, na minha opinião. Eu era uma criança muito arteira. De cinco em cinco minutos eu aprontava. Era muito travessa. Aos poucos eu fui melhorando, ao decorrer dos anos. E hoje, aos 17 anos eu vejo muita mudança na minha vida. Vejo que me tornei uma grande amiga, ouvinte, companheira. E o melhor de tudo: me tornei uma amante de uma das coisas mais belas da minha vida, o meu amor Júnior. E se hoje eu fosse um pouco mais velha eu acho que teria mais liberdade para sair e voltar na hora que achasse melhor, e realizar o sonho de ser marinheira, ou pediatra. São as profissões que eu pretendo ter, quando chegar a hora.

No meu dia-a-dia vou para a igreja, gosto de fazer esporte, como vôlei e queimado. Adoro ir para a praia, cachoeira, cinema e shopping com os meus amigos. Mas, na verdade, eu gosto de sair com o meu namorado.

Teve um tempo da minha vida que eu conheci a fotografia e eu comecei a ter mais visão do que a vida é.

 

Deyvid Ferreira

Minha vida começa no dia 27 de junho de 1990, às 10 e 45 da noite, quando nasci e recebi o nome de Deyvid Ferreira Rocha da Silva. Meu pai ficou desempregado quando eu nasci, por isso, eu não fui tão bem tratado como o meu irmão. Todo aniversário do meu irmão, a cama dele ficava cheia de presentes. A minha, como sempre, com 4 ou 5 brinquedos. O mais incrível é que a minha mãe dizia que, desde pequeno, o meu presente favorito era bola de futebol, helicóptero e soldadinho de guerra.

Eu esqueci que, quando recém-nascido, tive que tomar leite de jumenta, por causa do meu primo, que estava entre a vida e a morte, e a minha mãe achou melhor que eu tomasse também (meu primo quase morreu de fraqueza. O nome dele é Jacks, e nasceu no dia 26 de junho de 1990, um dia antes de mim).

Até, mais ou menos, dez anos, eu sofria de falta de ar, só fiquei melhor depois que comecei a fazer natação e futebol. Um pouco depois eu tive hepatite, e fiquei muito magro, mas melhorou. Nos meus seis anos, na Escola Municipal Bahia, eu conheci o Fagner, o Felipe e outros amigos, e ficamos na mesma turma por sete anos.

Em março de 2004, eu e Felipe começamos a fazer o curso de fotografia, junto com os alunos da Escola Municipal Napion. Achamos muito legal e começamos a chamar outros amigos. Só o Fagner veio e ficou participando até hoje.

Hoje eu prefiro o Deyvid de agora: forte, sem doença. Brincalhão, estudioso e mais ou menos responsável. Alegre e muito caridoso. Mas com o sonho de quase todo garoto: jogar uma partida de futebol com o Ronaldinho Gaúcho, ser um bom jogador de futebol e ajudar a minha mãe a sair da favela, porque aqui tenho lembranças ruins.

Tudo começou no dia 2 de janeiro de 2005, quando perdi meu pai, numa troca de tiros entre policiais e bandidos, enquanto descansava na varanda de casa. Hoje em dia eu tento fazer tudo o que meu pai me pedia e queria que eu fosse. Por isso eu resolvi ficar no curso de fotografia e hoje estou feliz aqui com meus amigos e vencendo barreiras, tentando mudar a minha vida, mais e mais depois disso tudo.

 

Fagner Santiago França

Nasci em 23 de março. Meu nome é Fagner. Não gosto muito desse nome (esse nome é por causa daquele cantor maluco), mas a vida segue em frente.

Gordo e grande, mas tão grande que nem cabia no berçário, fiquei alguns dias no hospital porque tinha anemia. Com alguns anos de idade tive que fazer regime por ser muito gordo. Hoje estou assim, magro até demais. Meus rins não regulavam muito bem e todo o dia eu fazia xixi na escola. Mas não era no banhei­ro. Era nas calças. E até então, não comprava roupa. Ao contrário, até dava para os pobres.

No final de 1996 eu fui mordido por um cachorro. Doeu muito, mas a injeção doeu mais ainda - era uma agulha enorme.

Entrei para a escola em 1997, logo conheci Felipe e Deyvid (Felipe estudou comigo até a sétima série e Deyvid até hoje estuda comigo). Um dia eles me chamaram para fazer fotografia e eu não quis. Pensava que ia atrapalhar os meus estudos. Dois bimestres se passaram e eles me chamaram de novo, e disseram que era só para zoar. Entrei, não zoava tanto. Eu via que era um trabalho sério. Eu achava que não ia aprender nada, até que a professora (Tati) falou: gente, vamos fotografar.

Felipe e Deyvid sabiam fotografar melhor do que eu porque eles esta­vam há mais tempo. Eu não sabia. No momento, queria tirar uma foto da favela, mas saiu a foto de um telha­do que estava na frente.

Tínhamos muitas fotos e essas fotos foram para uma exposição. Nós tínhamos que falar sobre o nosso curso e eu fiquei muito tímido porque era a primeira vez que eu falava com muitas pessoas. Então, quando passaram o microfone para mim, falei muita abobrinha. Hoje eu sou um pouco melhor, mas às vezes, quando falo com muitas pessoas que não conheço, fico olhando para baixo.

Um dia fui dizer como era o nosso trabalho em uma outra escola, e uma menina ficou falando para eu ficar olhando para o rosto deles, como se eles fossem meus amigos. Mas não é fácil olhar nos olhos de uma pessoa que você nunca viu na sua vida.

É isso. Hoje estou aqui contando as principais partes da minha simples vida. Se a minha mãe não tivesse me posto no mundo, eu não tinha começado a estudar, e não conheceria os meus amigos, que não teriam me chamado para fazer fotografia, e eu não estaria onde estou hoje: a alguns dias de viajar para a Bahia e escrever um livro.

 

Felipe Oliveira de Lima

Nascido em 15 de setembro de 1990, dando uma mijada no médico. Morava na Nova Holanda. Me mudei para a Baixa do Sapateiro. Ia para o trabalho da minha mãe, na Ilha do Governa­dor. Quem cuidava de mim era a patroa dela. Ela me dava de tudo. Mas isso mudou quando eu fiz cinco anos e eu fui para a creche. Quando a minha mãe dava tchau para a gente, eu e minha irmã já estávamos no pé dela chorando, o mesmo com o meu pai. Ele é alegre e brincalhão. Leva a família para passear.

Quando fiz sete anos, fui para a Escola Municipal Bahia. Logo no início fiquei com o Fagner e o Deyvid na mesma sala, até a sétima série.

O Deyvid se inscreveu para a fotografia, e me chamou. Eu chamei o Fagner. De repente, apareceram dois bagunceiros: Renato e Angélica, para atrapalhar.

Parecia um jogo. Foi saindo um por um, até que ficamos nós seis: eu, Deyvid, Renato, Amanda, Fagner e Angélica. Nós nos apegamos ao curso de fotografia artesanal e hoje estamos fazendo um sucesso, “mas numa velocidade!”.

E eu sou assim. Gosto da favela, e de ser o Felipe, que todo mundo chama de cavalo. Gosto de pagode, funk, hip hop, de grafitar e de fotografar. Eu acho que eu estou certo em tudo. Menos em repetir a sétima série duas vezes. Só que eu sou feliz da vida. Não sou preso. Eu sou o cavalinho solto no campo. Eu sou o Felipe, da família Oliveira de Lima.

 

Renato Rosa

A minha vida é comum. Da escola para casa, da casa pro curso, do curso pro jogo, do jogo pro baile, e do baile pra casa. É essa a minha vida.

Eu sou Renato. Eu gosto de piche na rua. Eu sou um garoto muito chato. Eu vou à escola para estudar. Eu sou um garoto que não gosta de matar aula. Minha vida é boa, eu tenho mãe, pai e irmão. Eu fui criado com meu irmão e minha mãe. Minha mãe trabalha muito para uma vida simples. Eu sou um filho regular, mas minha mãe gosta de mim. Na escola eu repeti a sexta série e minha mãe não gostou muito, ela falou muito no meu ouvido. Eu já fui ao parque aquático, eu sou um garoto comum. Eu gosto de trabalhar, gosto de jogar video game e outras coisas mais.

Na Escola Bahia eu fiz teatro, mas eu não gostei de uma coisa que eu vi. Então, eu saí da sala e a professora falou: ou você volta para a sala, ou você não faz mais teatro. Eu falei: tá. E entrei na fotografia.

Eu era muito chato, só queria zoar na aula de fotografia, só queria bagunça. Então eu tirei uma foto na lata e aí eu pensei: por que é que eu estou bagunçando? Então eu parei de bagunça na aula de fotografia. Aí eu fui tirando foto na lata e vi que eu era bom na lata. Então, eu fui praticar, mas eu sou um brincalhão.

Eu sou o Renato: muito chato e brincalhão. Não dá para eu contar a minha vida só em uma folha, mas eu tentei.

Eu vou falar do meu futuro. Eu estudo pra quê? Não sei como vai ser o meu futuro. Mas eu estudo porque eu quero ser um empresário, ou um gerente. Ser da Marinha ou ser fotógrafo. Mas eu não sei o que eu vou fazer, então eu fico no curso de fotografia.

Eu não gosto de ler e de escrever, mas com o tempo eu acostumo. Quem sabe eu vou ser um escritor? Só Deus sabe da minha vida. Nem eu sei da minha vida.